terça-feira, 27 de maio de 2014

Vai ter Copa, sim. E agora: torcer ou não torcer?

Foi em 1994 que eu descobri minha paixão por Copas do Mundo. Com a vitória do Brasil sobre a Itália, nos pênaltis, garantimos o nosso tetracampeonato, eu, com meus seis anos, senti pela primeira vez o que era ser cidadã do mundo. Conceito que levo até hoje comigo e que diz respeito a se considerar humano, merecedor de direitos e deveres, acima de qualquer outra máxima definida por cada país. É ser comprometido com o próximo, independente do lugar que você ou ele venham.

A Federação Internacional de Futebol (Fifa) nunca demonstrou ter essa consciência. Em lugar nenhum onde ela promove os megaeventos, preocupa-se em melhorar – ou não piorar – o contexto social do lugar onde vai atuar. Por que seria diferente com o Brasil? As violações de direitos ocorreram e continuam acontecendo. 

Pessoas foram removidas de suas casas para obras relacionadas à Copa do Mundo, tais como ampliações de avenidas de acesso aos estádios e a construção dos próprios estádios. Às vésperas da Copa das Confederações, as ruas de Belo Horizonte estavam impecáveis, ninguém dava notícias de onde estavam os moradores de rua. Pois é, o que aconteceu com essas pessoas?

Às vésperas da abertura da Copa do Mundo, aqui, no Brasil, onde estão os cidadãos com quem mais sou comprometida, vem a dúvida: torcer ou não torcer?

Às vésperas da abertura da Copa do Mundo, aqui, no Brasil, onde estão os cidadãos com quem mais sou comprometida, vem a dúvida: torcer ou não torcer?

Seria eu menos íntegra por acompanhar os jogos e torcer loucamente, como sempre fiz? Estaria eu desconsiderando o sofrimento do meu país, ao receber gentilmente, a gringaiada que vai baixar em minha cidade nas próximas semanas?

Apesar de fatalista, sei que esse discurso tem força (#nãovaitercopamimimi), e sei que minha indagação é a de muita gente comprometida, por aí. Foram muitas reflexões que me levaram a conclusão de que não, eu não estaria sendo menos NADA só por estar acompanhando a Copa. 

Primeiro, porque este megaevento não deve ser visto como o grande responsável pela atual situação socioeconômica do país. O buraco é mais embaixo. Sabe-se que o maior violador de direitos dos cidadãos é o Estado e que passando o Mundial ele vai continuar aqui, para nos atormentar. Torcer pela seleção brasileira, vibrar com o megaevento, não é estar a favor das violações que acometem milhões de brasileiros diariamente.

Torcer pela seleção brasileira, vibrar com o megaevento, não é estar a favor das violações que acometem milhões de brasileiros diariamente.

Além do mais, o futebol é paixão nacional, e você, sendo ou não um fã, deve admitir isso. Faz parte da cultura brasileira, sim. Não é um imaginário social, apenas. Quando milhões acompanham de casa, da rua ou dos estádios, às finais de campeonatos, é possível perceber isso. Quando, numa abertura de Copa do Mundo, a seleção brasileira entra em campo e o hino nacional é tocado, aquela emoção que milhões, como eu, sentimos, não deve ser desconsiderada.

O legado do Mundial, aqui no Brasil, também tem seu lado positivo. Você que saiu às ruas em junho – ou mesmo você que nem isso fez – acha realmente que as manifestações teriam acontecido, caso não soubéssemos que os olhos do mundo já nos estavam mirando? Os protestos do ano passado plantaram uma semente de revolta e conscientização em muitos cidadãos, que talvez em outro contexto, não teriam sido tão eficazes.

Vai ter Copa, sim, e eu vou torcer, sim. Torcer em cada jogo, na mesma sintonia que um montão de trabalhadores que, mesmo sofrendo com o trânsito infernal dos próximos dias, e sem a chance de sequer ver os jogos nos estádios, vai abstrair tudo isso para acompanhar a seleção. 

Nesse momento, pense o que quiser, mas eu continuo pensando que, nesses 90 minutos, estamos unidos em um só sentimento. Primitivo, bobo, que seja, mas, paixões são assim, mesmo, irracionais, não se explicam, se sentem.

#protestecomseuvoto #voteconsciente #mulhernãoémercadoria #saúdegratuitaedequalidade #transportepúblicoedequalidade #todospelaeducação #nãoàexploraçãosexualinfantil #regularizeaprostituição #nãoaotrabalhoinfantil #lugardecriançaénaescola #

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Trujillo – Peru em cores e sabores inesquecíveis




Com um pregador de roupas azul adornando a barra de seu jeans, Seu Villanuevas lia, sem pressa, seu jornal. As matérias tratavam de crimes hediondos cometidos na região. Aquele mundo trazido pelo diário sensacionalista pouco se assemelhava com a tranquilidade que emanava aquela praça, no centro da terceira maior cidade do Peru. 

Fundada no início do século 16, Trujillo, situado no norte do país, foi apelidada como “cidade da eterna primavera”, pelo clima ameno que predomina durante todo o ano. O senhor sentado na praça, trujillano de nascença, conta que por ali, o vento suave das tardes e a "garúa" das noites, amacia o coração de seus moradores.  

Sem dúvida é um povo suave, alegre, de sorriso fácil. Um ótimo lugar para fugir do óbvio, na hora de viajar, se integrar com a cultura peruana e se apaixonar

O que fazer



Trujillo evidentemente não é primeira, nem segunda opção para turistas visitarem no Peru. Brasileiros, então, nem sinal. Com cidadãos acolhedores que só, o local parece mesmo ter ideal para passagem de mochileiros que seguem viagem pela América do Sul ou mesmo um pit-stop para surfistas de todo o mundo, que recorrem o litoral peruano em busca de “altas ondas”.



As construções do centro histórico datam do século 18 e 19 e pintadas em tons fortes e cores quentes, parecem querer minimizar a atmosfera e paisagem desértica que figura em grande parte da costa peruana e seus arredores.

Então, se você quer apenas conhecer mais da cultura do país e desacelerar um pouco, esse é o seu lugar. Aproveite seu tempo livre e passeie pela Plaza de Armas (foto), visite o Palacio Municipal, onde te dão um resumo da história política da cidade, vá ao mercado de artesanato Apiat, na Av. España, conheça o Mural Artístico da Universidad Nacional de Trujillo, considerado o maior da América Latina, conta, em imagens feitas com pastilhas, a história do Peru, e assista uma apresentação de marinera, dança típica da região.

No mais, caminhe despretensiosamente, e deixe que a cidade te surpreenda. Para mim, o destaque de Trujillo está justamente no jeito amável dos nativos, então, puxe papo sempre que puder. Se não puxarem antes.



Outro ponto fortíssimo da cidade é a culinária, muito boa e barata! No centro mesmo você encontra mil opções de comida, em especial, lugares que servem peixes e mariscos curtidos no limão (ceviches <3 veja na foto) e a famosa chifa, fusão da comida chinesa e peruana, que é muito comum no país.

Não precisa procurar muito para achar coisa gostosa, mas, por ter ido mais de uma vez, recomendo os deliciosos pratos do Siete Mares e Chifa Chung Heng. Tenha em conta duas coisas: os pratos são sempre bem servidos e muito apimentados. Caso não seja fã de comida picante, peça para fazerem mais suaves e com menos “picor”.

À noite você pode comer de novo, haha, ou ir a uma balada dos nativos. Dois pubs com bandas de música peruana – em especial rock – que fui e recomendo são o Nuestro Bar e TributoBar. Não se assuste se do nada começarem a tocar uma salsa ou cumbia, é da cultura deles.

Turistão


Não tem como fugir desses programas turísticos, nem em Trujillo. Mas valem a pena. Vamos lá:
  • Ruínas de civilizações pré-incas: Nas proximidades de Trujillo, viveram três civilizações pré-incas: Chan Chan, Chimú, Moche e suas ruínas podem ser vistas, respectivamente, em Chan Chan, Huacas del Sol y de la Luna e Huaca Arco Iris ou El Dragón. As histórias dos lugares são incríveis e compensam o fato de, esteticamente, eles não serem lá essas coisas.
Os tours duram entre 2h30 e 4h, custam cerca de 20 soles (17 reais) e próximo a Plaza de Armas, têm várias agências oferecendo os passeios. Recomendo a Arco Iris Travel, na Jr. Independencia, 263.
  • Praia de Huanchaco (foto): Não vá esperando ver uma praia paradisíaca, pois você, como eu, vai se decepcionar. Huanchaco fica a uns 30min de Trujillo e é famosa entre os surfistas de todo o mundo. Aparentemente têm boas ondas, mas não as melhores do Peru. O fato é que as praias são de areia escura, água fria, e a cidadezinha cheia da galera do reggae e do surf.
Há algo de artesanato por lá, mas o mesmo que você encontra em qualquer praia brasileira. Como tudo para mim se resume a comida, eu aproveitei para provar os picarrones de uma associação comunitária que fica na entrada do vilarejo e tem o objetivo de engordar o povo.

Onde ficar



Hostal El Mochilero - Este é um albergue tranquilo, dirigido por um senhor muito simpático e solícito, seu Harry, e está situado a poucas quadras da Plaza de Armas de Trujillo, no centro, próximo de pontos de ônibus para a praia de Huanchaco e outras partes da cidade.

O barulho de trânsito é tolerável e, na região, você encontra supermercado, restaurantes e agências para fazer os tours nos arredores.

O astral do albergue é muito bom e as festas só acontecem se você propuser uma (claro que eu propus =D). Os preços variam de 20 a 30 soles – de 15 a 23 reais – em quartos de casal ou compartilhados com oito camas. Não há banheiros privados.


Ah! E para que servia o tal pregador de roupas que Seu Villanuevas tinha na barra da calça? Para evitar que a roupa agarrasse no pedal de sua inseparável bicicleta. Afinal, a cidade oferece muitos perigos. ;)



PS da amizade: Um agradecimento especial aos meus queridos amigos peruanos que me deram o prazer de conhecer Trujillo: Christian, Julio e Marco.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Justiça com as próprias mãos, unhas e dentes - O espancamento do Guarujá














Os casos de cidadãos se defendendo por conta própria estão cada vez mais comuns no Brasil. Ainda assim, a cada novo criminoso cuja condenação e pena são executadas ali mesmo, na rua, eu me espanto e me pergunto, que tipo de justiça é essa? Quais são as pessoas que fomentam e quais são as que defendem esse tipo de ação irracional? Bom, além da incrível “jornalista”, Raquel Sherazade, claro.

Na última semana, não foi menor o meu assombro diante do caso de Fabiane Maria de Jesus, 33, dona de casa que morreu após ser arrastada num veículo e espancada por sua vizinhança, no Guarujá (SP). A mulher fora acusada de sequestrar crianças para rituais de magia negra. Sem provas. A denúncia, segundo informa a grande mídia, foi feita através de uma página de Facebook sobre notícias locais. Segundo os administradores do perfil, o retrato-falado da mulher foi divulgado, seguido de um texto que ressaltava que aquela informação não havia sido confirmada.

A imagem era de 2012 e se referia a uma mulher investigada no Rio. Ah, que falta faz uma apuração. Ah, o poder dos boatos...

Pois é. Por um boato, Fabiane teve sua vida acabada. De forma brusca. O instinto animal tem exaltado tantos ânimos no país que os vídeos com as cenas da surra podem ser encontrados nos sites dos principais jornais brasileiros. Quem aqui é o criminoso?

Acusação, condenação e pena, todo o processo que cabe ao judiciário sendo feito por pessoas que certamente não têm credibilidade para fazê-lo. O ignorante, ou seja, aquele desprovido de informações relevantes e de conhecimento para formar sua própria opinião, fica à mercê do que ouve e vê por aí (alô Cidade Alerta, alô Sherazade – te amo!).

Não tenho dúvida que muito em função dos estímulos provocados por esse tipo de “jornalismo”, que em nada, NADA, contribui para a formação de um senso crítico, ao cidadão resta agir de acordo com seus instintos mais primitivos. Ele desconhece, muitas vezes, seus direitos e deveres, e sem qualquer senso crítico, age de forma passional.

Aos defensores dos justiceiros

Até que ponto devemos legitimar essa recente onda de justiça com as próprias mãos, com a prerrogativa de que os cidadãos só estão agindo assim porque os três poderes estão em crise?

Naturalizar – e pior, defender – atitudes violentas, tidas como autodefesa, como as que levaram ao óbito uma mulher inocente – segue uma lógica tão ignorante como a de quem a realiza. Ponho no mesmo saco, com toda tranquilidade, o caso de Fabiane e o de ladrões atados em postes, orelhões, formigueiros, país a fora.

As mesmas mãos que atam o criminoso, não precisam recebê-lo em casa e agradecê-lo pelo crime cometido, mas podem fazer justiça de forma mais eficaz e inteligente. Afinal, é isso que nos diferencia dos demais animais irracionais. 

Essas mãos podem empunhar e se somar a manifestações pacíficas em defesa de saúde, educação, etc., podem participar de reuniões abertas em assembleias legislativas para ajudar na criação de leis, podem ser usadas de forma consciente na hora de eleger candidatos.

Aliás, usa sua mão para o que você quiser, meu caro, minha cara.

O que essas mãos não podem é continuar agindo como se estivessem fazendo justiça, enquanto outras tantas aplaudem essa insanidade generalizada.

Ah, Fabiane, eu sinto tanto por você. 

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Se eu fosse publicitária, esse título seria genial

Crianças pedintes no centro de Lima, Peru. Abril/14.
Então é assim: vc estuda quatro, cinco anos para receber um título que vai te definir e te limitar para o "resto" da sua vida, certo? Para mim, foi assim durante um tempo. 

Ao mesmo tempo que o curso de jornalismo me orientou na vida, após me formar, há dois anos, eu me angustiei com a ideia de que ser jornalista poderia me impedir de investir em outros interesses, afinal, isso significaria falta de foco e perda de tempo e, bom, nesse início de século 21 vc já sabe, né? Tempo é valioso e ninguém quer perdê-lo em algo que não traga frutos.

Mas essa ideia de o quão limitador a profissão poderia ser para mim, não deixou de me inquietar e, por 254 vezes, pensei em fazer algo diferente e não necessariamente ligado ao jornalismo. Aí veio a ideia de criar esse blog! Nada mais inovador.

"Quero fazer o que gosto, mesmo que isso não esteja contemplado em meu diploma. E aqui estou. Para escrever sobre o que gosto: cotidiano e comportamento social." 

Após a ideia pioneira de um espaço único e inédito na blogosfera - em pleno 2014, isso soa tão "atual" como enviar cartas -, faltava pensar o tema central: culinária, turismo, problemas sociais, neofeminismo... A gama de ideias foi extensa e desisti 253 vezes. Foi quando me dei conta de que a variedade de assuntos que eu poderia tratar refletia a complexidade de quem sou e de quem somos. 

Aliás, isso é bem particular do jornalista, que precisa tratar de variados assuntos. Mas meu drama era ter a obrigação de ser "jornalística" nesse espaço. Bom, essa é minha profissão e não posso - nem quero - negá-la. Faz parte de mim, mas não determina quem sou. Nossas experiências ao longo da vida é que nos estão definindo constantemente.

Quero fazer o que gosto, mesmo que isso não esteja contemplado em meu diploma. E aqui estou. Para escrever sobre o que gosto: cotidiano e comportamento social. 

"Mas Marcela, vc tem propriedade para falar disso?"

Ai, meu filho, vc não entendeu nada. Leia esse post de novo.